Crise bancária faz americanos se lembrarem de temida – e impopular

O resgate ou ajuda financeira – conhecido pelo termo em inglês “bailout” – virou um verdadeiro palavrão na política norte-americana após a crise financeira global de 2008.

Para muitos, um resgate financeiro expõe os riscos e as consequências potenciais do capitalismo que não são aplicados às grandes corporações ou aos ricos.

A recente quebra de dois grandes bancos dos EUA, o Silicon Valley Bank e o Signature Bank – e a intervenção federal para apoiar os depositantes não segurados dos bancos –, devolveram a palavra bailout  ao debates político e econômico da nação.

Embora a discussão sobre se a intervenção seja ou não um resgate de fato possa ser meramente semântica, ela traz questões fundamentais sobre a estrutura do sistema financeiro e quem o governo protege durante momentos de crise – e quem ele deixa de fora.

“Parte do que está acontecendo decorre da crença de que o sistema é manipulado contra os correntistas comuns”, disse Gerald Epstein, um economista progressista da Universidade de Massachusetts Amherst e codiretor do Instituto de Pesquisa em Economia Política da universidade. “É por isso que há tanto debate. As pessoas estão com aquela sensação de ‘lá vamos nós de novo’”.

De acordo com Epstein, resgate financeiro ou bailout é um termo conhecido, não um termo técnico, e não há uma definição universal do que significa. Um resgate financeiro é geralmente definido por algo que fornece compensação por perdas quando houve comportamento imprudente, irresponsável ou nefasto, conforme acrescentou o professor.

No entanto, o termo ainda carrega peso social e político, graças, em parte, à crise de 2008, quando o governo federal injetou dinheiro do contribuinte para resgatar bancos que se envolveram em práticas de crédito arriscadas. A maioria dos executivos que deixaram o colapso acontecer enfrentou pouca ou nenhuma sanção.

“Bailout é um palavrão. As pessoas pensam que ele significa algo perverso ou injusto”, comentou. “Quando os donos de imóveis na Califórnia são dizimados por um incêndio e o governo os ajuda, ninguém chama isso de resgate financeiro ou bailout”.

Especialistas dizem que a resposta atual do governo foi, sim, um resgate, mas há grandes diferenças em relação a 2008.

Política dos resgates

Nos últimos dias, a política do resgate financeiro foi posta em prática em resposta ao colapso dos bancos Silicon Valley e Signature.

Durante o último fim de semana, o Departamento do Tesouro, o Federal Reserve e a Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) se mexeram para pagar os depositantes sem seguro de reembolso – suspendendo o limite de US$ 250 mil (cerca de R$ 1,3 milhão) em depósitos segurados – do Silicon Valley e do Signature por meio do fundo de seguro FDIC, que é financiado por impostos sobre depósitos bancários.

As agências federais tomaram essas medidas para tentar evitar uma corrida aos bancos e ajudar as empresas que depositaram somas nos dois bancos a continuar pagando salários e financiando suas operações. Eles disseram que os acionistas dos dois bancos e certos devedores não segurados não seriam protegidos e a diretoria seria deposta.

O Fed também disse que criará uma nova instância, o Bank Term Funding Program – BTFP (Programa de Financiamento Bancário a Prazo), para oferecer empréstimos aos bancos elegíveis por até um ano contra títulos do Tesouro dos EUA e outros ativos em seu valor original.

A ação, que basicamente empresta aos bancos com desconto, foi concebida para evitar que qualquer contágio financeiro se espalhe para outros bancos, diferentemente de 2008.

O presidente Joe Biden e autoridades do governo tentaram fazer uma distinção entre as medidas que estão tomando agora para proteger os correntistas e estabilizar o sistema financeiro de uma resposta semelhante à de 2008.

“Nenhuma perda será bancada pelos contribuintes. Vou repetir: nenhuma perda será bancada pelos contribuintes”, disse Biden em um discurso na segunda-feira (13). “Os diretores desses bancos serão demitidos. Se FDIC assumir o banco, as pessoas que o administram não devem mais trabalhar lá”.

Mas os republicanos, que fazem oposição ao governo, foram rápidos em tentar vincular Biden a resgates anteriores financiados pelos contribuintes.

“Joe Biden está fingindo que isso não é um resgate financeiro. É”, acusou Nikki Haley, ex-governadora da Carolina do Sul e pré-candidata presidencial pelo Partido Republicano em 2024.

O professor Epstein, da UMass Amherst, não acredita que pequenos investidores e empresas que confiaram nos bancos para serviços básicos tenham sido resgatados. Mas ainda não está claro se havia fundos de capital de risco ou outros depositantes que se envolveram em práticas imprudentes. Segundo ele, se esses clientes foram ajudados, isso constituiria um resgate.

“Não dá para resgatar as pessoas por mau comportamento e criar risco moral”, pontuou o professor.

Ele também disse que o debate sobre resgates tirou a atenção de questões mais importantes: o que causou a quebra e como podemos impedir que isso aconteça novamente.

Amiyatosh Purnanandam, professor de finanças da Universidade de Michigan que estuda bailouts bancários, considera essas ações como resgates porque o governo – o credor do último recurso – entrou e deu aos depositantes algo que eles não podiam obter no mercado.

Os contribuintes também podem ser atingidos no futuro sob a forma de taxas ou outros custos, conforme os bancos reabastecem o fundo de seguro de depósito do FDIC, alertou.

Para restaurar a confiança do público na responsabilização desses atos, Purnanandam disse que os reguladores e legisladores poderiam tentar impor custos adicionais aos executivos envolvidos em comportamentos imprudentes que desencadearam a crise.

“Será que estamos revisando as políticas de bônus? Será que essas pessoas podem trabalhar no setor financeiro no futuro?”

*Matt Egan e Phil Mattingly contribuíram para esta reportagem.