A observação astronômica tem sido prejudicada nas últimas décadas por conta da iluminação de ruas, prédios e casas. A chamada poluição luminosa aumentou 9,6% ao ano de 2011 a 2021, de acordo com estudos.
Além da já conhecida poluição atmosférica, o fenômeno também contribui para mudar a aparência do céu noturno, afirmam especialistas.
“A poluição luminosa é a incapacidade de ver o céu noturno como ele é naturalmente por causa da iluminação artificial das cidades, das casas e das ruas. Isso é bem comum na vida moderna, mas é algo que, se a gente for pensar na história da humanidade, é muito recente. Não tem mais do que um século, talvez menos que isso, na maioria dos lugares”, explica Roberto Dell’Aglio Dias da Costa, professor do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), em comunicado.
Aumento da luz aparente
Uma das formas de poluição luminosa mais intensas é o chamado “skyglow”, em que as partículas que compõem a luz, chamadas fótons, são emitidas principalmente por luzes da rua, entre outras fontes de luz produzidas pelos humanos.
O skyglow é marcado pelo aumento da luz aparente no céu escuro e pode ser observado sobre as cidades à distância. O excesso de iluminação faz com que as partículas de luz se dispersem para a atmosfera, o que dificulta a observação astronômica de estrelas e planetas. O problema é agravado pela presença de satélites e de lixo espacial em órbita.
As emissões de luz detectadas pelos satélites aumentaram de 1992 a 2017 em pelo menos 49%. No entanto, o índice pode ser ainda maior considerando que a medição da poluição atmosférica é feita a partir de um satélite que não capta as frequências de luz azul, emitidas pelas luzes LED.
Enquanto isso, o mercado global de LED cresceu de 1% em 2011 para 47% em 2019. O que aponta que a maioria das lâmpadas hoje são de LED, especialmente aquelas utilizadas nas ruas.
O skyglow também pode ser afetado pelo aparecimento de novas fontes de luz em um país, mais do que pela troca de uma lâmpada por outra. O que mais impacta é o tanto de luz que acaba dispersando dos postes, ou da iluminação das casas e estabelecimentos que, ao invés de ser bem direcionada ao solo, por exemplo, acaba indo diretamente para o céu.
Observação astronômica
Nos observatórios, imagens são capturadas a partir de intervalos de tempo de exposição às luzes dos astros, como explica o pesquisador da USP.
“O nosso olho não tem uma regulagem de tempo de exposição, então ele não serve para observações astronômicas profissionais modernas. Já serviu imensamente até meados do século 19; até a invenção da fotografia, em torno de 1840, todas as observações astronômicas eram feitas a olho nu. Porém, isso é passado, isso é história. Agora, os observatórios profissionais precisam de registradores de imagem, porque a maior parte da informação que vem de um alvo astronômico não vem na forma de uma imagem, você tem que decompor a luz nos seus componentes e observar o que se chama de espectro da luz”, diz Dell’Aglio.
Interferências de luz externas às de estrelas e de astros impactam a qualidade do espectro de luz a ser observado e estudado pelos astrônomos. Até mesmo a luz refletida em partículas de poeira das cidades pode interferir nessa observação. Por esse motivo, os observatórios são construídos afastados das cidades.
“A astronomia óptica depende, sim, de ter céus muito escuros, o mais escuro possível. Por isso, os observatórios astronômicos profissionais são sempre instalados em locais afastados da atividade humana, normalmente montanhas ou desertos, lugares mais retirados. Cada vez mais a poluição ótica [luminosa] começa a ser problema mesmo nos grandes observatórios astronômicos profissionais”, diz o professor.
Além de prejudicar a astronomia, a poluição luminosa tem efeitos negativos sobre a vida humana e animal. Ela confunde o tempo circadiano, afeta a produção de melatonina, os padrões de migração – tartarugas, pássaros e insetos são atraídos pela luz, o que faz com que migrem fora do tempo certo ou se arrisquem em áreas iluminadas não naturalmente, mas artificialmente, podendo levá-los à morte. Também, os ecossistemas marinhos estão sendo alterados pela poluição.
Redução da poluição luminosa
Estima-se que atualmente mais de 80% da população seja afetada pela poluição luminosa. Em alguns lugares, como no Chile, Estados Unidos e Havaí, existem iniciativas para reduzir a iluminação perto dos observatórios.
Além disso, reservas de céu escuro com o uso de iluminação adequada buscam minimizar o problema. Entre as soluções, estão a instalação de postes de luz que iluminem apenas a rua, não dispersando para o céu, e com pouca sobreposição de feixes de luz, além de menos recursos de iluminação à noite.
“Ter céu escuro não é só uma questão de fazer pesquisas de astronomia. Ter o céu escuro é poder acompanhar os ciclos naturais, o que faz parte da cultura, faz parte da educação, faz parte dessa nossa civilidade”, diz Dell’Aglio.
(Com informações de Julia Estanislau, do Jornal da USP)
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