Na semana passada, a maior preocupação do Federal Reserve-Fed (o banco central dos Estados Unidos) era lidar com uma taxa de inflação teimosamente alta e com o tamanho do aperto da política monetária.
Nos últimos dias, uma nova bomba surgiu na forma de três colapsos bancários e o espectro sombrio de uma crise financeira. Para evitar este último prognóstico, o Fed ofereceu uma solução que aparentemente contradiz o seu caminho de voo de subida de juros: liberar mais dinheiro para o consumo.
No domingo, o banco central anunciou a criação do Bank Term Funding Program – BTFP (Programa de Financiamento Bancário a Prazo), que fornecerá empréstimos de um ano para bancos, cooperativas de crédito e outras instituições financeiras que oferecem garantias como títulos do Tesouro dos EUA, títulos de agências do governo e títulos garantidos por hipotecas.
São investimentos tipicamente seguros, mas que perderam valor durante a agressiva campanha de subida de taxas de juros do Fed. Os bancos estavam sentados em cerca de US$ 620 bilhões (cerca de R$ 3,2 trilhões) em perdas não realizadas no final do ano passado, de acordo com a Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC).
Assim, a nova ação do Fed permitiria que os bancos os trocassem por um empréstimo de até um ano no valor original dos ativos que estão desembolsando como garantia.
O Fed está brincando um pouco de morde e assopra, oferecendo a opção de liquidez num momento em que procura desaquecer a economia. Mas, para economistas, os potenciais benefícios de intervir superaram os riscos.
O programa foi projetado para ser usado em uma emergência para evitar que o próximo Silicon Valley Bank (SBV) quebre — e não para iniciar uma nova era de gastos sem custos.
“O BTFP é uma forma de flexibilização monetária, mas apenas para evitar o que de outra forma poderia ter sido uma crise de liquidez no sistema bancário e um severo aperto na política monetária”, disse Mark Zandi, economista-chefe da consultoria Moody’s Analytics. “Não acho que o BTFP vai resultar num aumento significativo nos empréstimos bancários e, portanto, em crescimento econômico e inflação”.
Ao oferecer financiamento de emergência, o Fed está cumprindo seu papel, em primeiro lugar, como credor de último recurso, de acordo com Claudia Sahm, ex-economista do Fed e fundadora da Sahm Consulting.
“Bem antes de a política monetária ser algo que eles fizeram [o Fed adotou seu duplo mandato em 1977], o papel principal do Fed era acalmar os mercados financeiros, intervir quando havia um potencial para as chamadas corridas bancárias [quando correntistas retiram dinheiro em massa] e manter o dinheiro fluindo”, listou. “Infelizmente, eles acumularam uma certa experiência com isso nos últimos dez a 15 anos, com a crise financeira e a pandemia”.
Na hora certa
Embora o mandato do Fed especifique “o emprego máximo e a estabilidade de preços”, o fator subjacente é a estabilidade financeira, disse Joe Brusuelas, economista-chefe nos EUA da consultoria global RSM.
Isso significa que o Fed ainda pode lutar contra a inflação, mesmo enquanto mantém o setor bancário.
“As perspectivas das taxas subindo ao mesmo tempo não são claramente boas, mas não são ações mutuamente exclusivas, já que o banco central aborda um pânico financeiro modesto e impede que novas corridas aos bancos comecem”, detalhou.
Embora o novo programa do Fed seja uma ação extraordinária para garantir a estabilidade bancária, o Fed está envolto no negócio de empréstimos todos os dias, como lembrou Brusuelas.
“O Fed compra e vende títulos do governo todos os dias para manter a faixa de sua taxa de política – a taxa de fundos federais – entre 4,5% e 4,75%”, disse o especialista. “Eles fazem isso todos os dias e é normal que o banco central injete e retire liquidez do mercado para atingir seus objetivos de políticas”.
O lançamento do novo programa pode causar um “pequeno atraso” na meta de inflação voltando para 2%, e o Fed pode parar com a política temporariamente, mas o banco central deve continuar a aumentar os juros.
O Fed fez isso para garantir a confiança no sistema bancário e fornecer um mecanismo para lidar com os US$ 620 bilhões em perdas não realizadas, de acordo com Brusuelas.
Parece que a ação tomada pelo Fed, Tesouro e FDIC no fim de semana efetivamente eliminou o risco de o colapso da SVB se espalhar de um desastre em uma questão sistêmica, disse Alex Pelle, economista dos EUA para a consultoria de investimentos Mizuho Americas.
“O que anteriormente demorava meses e trimestres para resolver levou dias e horas para os legisladores”, disse ele em uma nota na segunda-feira (13) à tarde. “Como resultado, é improvável que a economia experimente a crise de crédito tradicional que vimos nos últimos vários ciclos de negócios na era pós-Volcker”. [Paul Volcker foi presidente do Fed entre 1979 e 1987 e ficou famoso pela política de juros elevados].
Touro na loja de porcelana
A duração e o escopo da campanha de subida dos juros do Fed durante o ano passado causaram algum desconforto entre os economistas, incluindo Sahm, que acha que os rápidos aumentos enfraquecem os mercados financeiros.
“Se você tem uma loja de porcelana, faz algo idiota e solta um touro na loja, está fazendo com que as coisas quebrem”, opinou a economista Sahm. “O banco SVB foi um touro entrando na loja de porcelana e eles tomaram algumas decisões extremamente ruins. Mas o Fed ajudou a criar esse ambiente que seria suscetível a algo como o surgimento do SVB”.
Os aumentos das taxas do Fed levaram em conta o colapso do Silicon Valley Bank de duas maneiras. Primeiro, os custos mais elevados de empréstimos prejudicam o lucro do setor e a capacidade de angariar fundos, forçando as empresas de tecnologia a reduzir os seus depósitos bancários para financiar as suas operações. Segundo, os aumentos dos juros minaram o valor dos títulos do Tesouro nos quais os bancos dependem como fonte de capital, disse Brusuelas, da RSM. No entanto, o risco de concentração (em criptomoeda e tecnologia), juntamente com o gerenciamento frouxo do balanço, foram as causas primárias do colapso do SVB, Signature e Silvergate, acrescentou.
“Parece-me que culpar o Fed aqui é um exercício para desviar a culpa por decisões da parte da administração desses bancos para pedir empréstimos curtos, emprestar muito e não ter uma estratégia eficaz de gestão de risco de taxa de juros”, completou.
Luta contra a inflação
Para Brusuelas, ao oferecer uma janela de desconto para lidar com uma crise de liquidez, o Fed colocou um piso sob os bancos para estabilizar o sistema financeiro mais amplo. Quando a estabilidade volta, o banco central pode mudar seu foco de volta para restaurar a estabilidade de preços.
“Se a crise se intensificar, o Fed provavelmente tenderá a priorizar a estabilidade financeira por um breve período”, disse, observando que uma nova deterioração esta semana poderia estimular os legisladores do Fed a interromper a subida de juros.
“Mas, quando chegarmos à próxima reunião [em maio], acho que provavelmente veremos uma retomada do aperto financeiro pelo Fed em termos de novos aumentos”.
Nessa fase, o único foco do Fed é estabilizar os mercados financeiros e, em particular, o setor bancário, disse Sahm.
“O que faremos na próxima semana com taxas de juros passou do ponto. “Se eles [o Fed] não conseguirem ter tudo sob controle, será ruim. Estamos no limite agora, e as implicações se ultrapassarmos esse limite não são boas.”
Matt Egan, da CNN, contribuiu para esta reportagem.
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